SEXUALIDADE - Educação sexual para pessoas com síndrome de down. Propostas de orientação 2
Índice del artículo
Educação sexual para pessoas com síndrome de down.
Propostas de orientação 2
(por José Ramón Amor Pan)
- Bases multidisciplinares da sexualidade humana
- Idéias rotuladas: os esteriótipos e preconceitos
- Conceitos psicobiológicos na síndrome de Down e conseqüências
- Referências bibliográficas
Há uns três anos atrás recebi um telefonema de uma colega de faculdade: pediu-me que recebesse uns pais preocupados com o futuro de sua filha de 18 anos com deficiência intelectual. Fiquei de encontrá-los em um café do centro de Madri. Foram acompanhados de uma moça, com bom nível cognitivo e comunicativo. Ficamos conversando tranquilamente sobre as pessoas que trabalham, o quanto que já havia de progresso nesta área, o quanto que ainda restava por fazer, e coisas assim. A conversa derivou, logicamente, para o tema afetivo e sexual, porque essa era a sua grande preocupação e aquilo que os tinha levado a me procurar. Eu comecei insistindo na necessidade de ver este assunto com a máxima naturalidade, vendo dentro da esfera da existência humana tudo o que de positivo acarreta e não apenas os aspectos problemáticos, tal qual disse no artigo anterior que escrevi para este Portal. Falávamos sobre isso quando a moça disse que ia ao banheiro e pediu a sua mãe que a acompanhasse. Até aqui tudo normal porque, não sei por qual mistério da natureza feminina, as mulheres costumam ir em pares ao banheiro quando estão em lugares públicos ... O que me surpreendeu foi que a mãe pegou na sua mão. Quando voltaram, perguntei à mãe porque tinha pegado na mão de sua filha: “porque ela quer”. Quer ou está acostumada a que seja assim desde pequena?, perguntei-lhe. A mãe ficou desconcertada, muito desconcertada. Após um momento, disse que sim, que a menina pedia-lhe a mão. No entanto, no dia seguinte, ligou pra mim e disse: “Você me fez pensar muito, revirei minha cabeça atrás do assunto de ‘pegar a mão’ e tem toda a razão, eu a acostumei assim ...”.
Todas as pessoas têm sentimentos, atitudes e convicções sobre a sexualidade, mas cada pessoa experimenta a sexualidade de forma diferente, pois ela tem uma perspectiva sumamente individualizada. Realmente, trata-se de uma perspectiva que procede tanto de experiências pessoais como de elementos públicos e sociais. Não podemos compreender a sexualidade humana sem reconhecer de antemão sua índole pluri-dimensional: é um fato biológico, psicológico e cultural. A sexualidade é um tema que sempre despertou o interesse das pessoas. Impregna a arte e a literatura de todas as épocas; as religiões, teorias filosóficas e ordenamentos jurídicos têm discursos e normas sobre este assunto. O estudo da sexualidade pode nos fazer mais receptivos e conscientes em nossas relações interpessoais, contribuindo, desta forma, para incrementar o grau de intimidade e satisfação sexual em nossa vida. Mas, infelizmente, temos que reconhecer que estes resultados não se conseguem automaticamente.
Bases multidisciplinares da sexualidade humana (1)
Partimos de um amplo conceito da sexualidade, que vai muito além da simples genitália. É afeto, é coração, é encontro interpessoal, é realização da própria personalidade, é corporalidade. Tudo o que sabemos sobre sexualidade é derivado de uma grande variedade de fontes e de um amplo conjunto de técnicas e métodos de conhecimento, acrescentando todos e cada um deles seu aporte a uma área tão complexa e, às vezes, que levanta tantos receios como esta. A integração destas diferentes maneiras ao se lidar com o ato sexual humano é, ainda, em grande parte, uma questão em suspenso, entre outras razões porque as ideologias – no sentido pejorativo do termo – têm muita força nesta área. Cada um de nós contribui com a compreensão da sexualidade humana com suas próprias experiências. Para obter um quadro completo da sexualidade humana, que faça justiça ao ser humano, devemos considerar os diferentes enfoques e determinar a contribuição de cada um deles.
Podemos distinguir entre atos sexuais (como a masturbação, o beijar ou o coito) e a conduta sexual (que compreende o ser vaidoso, vestir determinadas roupas ou usar um ou outro perfume). Podemos falar de uma sexualidade destinada à procriação, à busca exclusiva do prazer ou à relação de convivência. Com tudo isso nem sequer chegamos na superfície da sexualidade: temos que pensar nela como uma chave de integração, sem fragmentá-la de forma arbitrária em um ou mais de seus componentes. Com a pequena história que contei no começo, queria ilustrar exatamente isso: quando falamos da sexualidade das pessoas com síndrome de Down a reduzimos, com bastante freqüência, a seus aspectos biológicos e de higiene e, ao fazer isso, estamos traindo o ser humano que está em situação de maior dependência do meio.
Querer entender a sexualidade humana unicamente a partir da dimensão biológica é como querer compreender a música exclusivamente em função das ondas acústicas: a informação é objetiva, mas também incompleta. Nenhuma dimensão da sexualidade quando tratada isoladamente tem validade universal. Devemos evitar dar uma interpretação simplista ao ato sexual humano. Os aspectos biológicos da sexualidade formam uma rede de suma importância com os fatores psicológicos e sociais que começam a influenciar no momento do nascimento e continuam a fazê-lo pelo resto de nossa vida. Em minha opinião, o aprendizado é um componente primário e muito determinante do comportamento humano. E não podemos esquecer que o aprendizado é conseqüência da influência recíproca entre o individuo e o meio ambiente.
Não é possível uma vivência autêntica da sexualidade humana sem uma atitude adequada perante o corpo. No Ocidente, a segunda metade do século XX foi marcada por um redescobrimento da corporalidade. Toda ética e toda pedagogia que opõe dualisticamente o espírito, como algo bom, ao corpo, como algo mau, estão apoiadas em um ressentimento que não foi capaz de canalizar as forças vitais de maneira produtiva. Para o homem, o corpo abre o caminho para o encontro com os outros. Um encontro mediado sempre pelo gesto. O corpo é uma mediação imprescindível da simpatia, do amor e da ternura. É preciso desmistificar e tirar a culpa do prazer sexual.
A sexualidade é uma dimensão constitutiva da pessoa: o ser humano percebe, sente, pensa e deseja como homem e como mulher. A sexualidade humana transborda o significado de procriação: a dimensão biológica é o apoio de toda a construção da sexualidade e, se a sexualidade humana não fosse mais do que pura biologia, seria correto que ela não teria outra finalidade senão a procriação, como no mundo animal. Mas já vimos que pela presença de outros fatores, a sexualidade do ser humano não está restrita a seu significado reprodutivo e aparece como uma força difusa e permanente do homem. Por isso, a sexualidade é um elemento de afirmação do caráter pessoal do ser humano, é um fenômeno psíquico profundo, uma força integradora e hermenêutica do eu: a sexualidade não é apenas uma necessidade, mas também um desejo, uma vivência que tem que ser construída ao ritmo do crescimento global da pessoa. E, ainda, a sexualidade é uma forma de expressão privilegiada da pessoa e deve ser entendida e vivida como uma linguagem humana: a sexualidade é uma forma privilegiada de expressão de amor (2).
Finalmente, a sexualidade humana reconhece a realidade do corpo: a acolhida positiva do elemento lúdico-prazeroso ainda possa parecer estranha ou provocar interrogações. Este é um dos significados que algumas pessoas, educadas na tradição católica, têm mais dificuldade em compreender, pois estão acostumadas a valorizar mais o sofrimento do que o prazer, em uma linha de pensamento de clara influência estóica, que se afasta significativamente da Bíblia. O cristianismo arrasta uma relação própria e difícil com o corpo e a sexualidade, que tem marcado a cultura ocidental. Não faz muito tempo, todo o afetivo-sexual era visto sob a ótica do pecaminoso; dizer que “o apreço da sexualidade humana não implica em renúncia de grandes ideais cristãos” era algo que parecia uma heresia até ontem. O corpo era o lugar palpável e tangível do pecado, e constituía um dos principais obstáculos no caminho da redenção. A doutrina católica teve que ir fazendo o percurso dos tempos; a mensagem bíblica viu-se contaminada por filosofias completamente alheias a sua antropologia, o que nos deve levar ao questionamento permanente pelo substrato filosófico de nossas teologias, especialmente em seus aspectos morais. Hoje, o certo é que o corpo não é o inimigo da alma.
Idéias rotuladas: os estereótipos e preconceitos
Que as pessoas, em geral, têm a percepção de que as pessoas com síndrome de Down possuem um maior apetite e atividade sexual é uma realidade; ouvimos isto com uma freqüência inusitada e, inclusive, recebemos as preocupações de alguns pais pela conduta que observam em seus filhos. Considera-se que a pessoa com síndrome de Down movimenta-se somente por instintos e não pode controlar seu impulso sexual, pois não possui os mecanismos mentais adequados para a inibição e sublimação. Desta forma, sua sexualidade é descontrolada e, às vezes, agressiva; por isso, deve ser podada restritivamente. No caso dos homens, acredita-se que passam grande parte do dia masturbando-se, que o fazem em qualquer lugar e circunstância, sem muito cuidado em fazê-lo diante de algum espectador, seja desconhecido ou não. Em relação às mulheres, acredita-se que são muito promíscuas, que aceitam passivamente o contato sexual, sem muitas considerações.
Por trás destes pensamentos escondem-se múltiplas razões. Acredito que um elemento que merece destaque é uma certa mentalidade de fundo que expressa uma desconfiança muito grande em relação ao corporal (uma visão puritana da sexualidade humana) e um conceito muito pobre sobre a incapacidade intelectual, generalizando situações e casos. Com base na idéia platônica da inteligência como condutor e do corpo como animal selvagem, supõe-se que a inteligência deficiente não é poderosa o suficiente para controlá-lo como é necessário. Se estas pessoas são incapazes de controlar a si mesmas, deverão ser controladas por outros, por meio de um controle sexual, baseado na descentralização da atenção no momento em que se produz a “faísca” e que recorte as possibilidades de acesso da impulsividade: cuidar para que não recebam imagens que incitem o apetite sexual; conseguir hábitos de moderação e autocontrole com comida e bebida; apaziguar os estímulos sensíveis, particularmente o beijo; educação para o recato; higiene; manter o indivíduo em uma atividade sossegada (3).
Na outra extremidade (apesar do resultado prático ser o mesmo) estão aqueles que anulam a humanidade destas pessoas a tal ponto que as convertem em algo semelhante a anjos, seres assexuados e livres de impulsos de caráter sexual. De acordo com esta postura, as pessoas com síndrome de Down são muito carinhosas e efusivas, como corresponde a alguém com alma ingênua e pura, apesar de terem o corpo de uma pessoa de 30, 40 ou 50 anos. Eles serão eternamente crianças: Como o senhor pode pensar que “meu/minha filhinho/a” possa sequer ter idéias ou pensamentos sexuais? É fato que sua inteligência é, em certos aspectos (somente em certos aspectos) equiparada a de uma criança, e por isso se deduz equivocadamente que a pessoa com síndrome de Down continua sendo, em toda sua personalidade - incluindo a sexualidade - e para sempre, uma criança.
Muitos pais não saem de seu estupor. Presos por uma mentalidade que vem de muito tempo atrás, não entendem como, em nome da integração social, hoje querem legitimar e até recomendam a aceitação de uma vida afetiva e sexual plena para seus filhos e filhas. Muitos pais querem que se ensine a seu filho a conduta social que permita que ele seja tolerado, até admitido e respeitado, no seio da sociedade. Querem que não se rejeite com desgosto, temor ou desprezo aqueles que não são como os outros. Lutam por conseguir que seu filho atinja patamares cada vez mais altos de autonomia. Ficam alegres com cada sucesso conquistado. No entanto, as coisas mudam quando falamos em sexualidade.
O surgimento dos pelos pubianos, a primeira ejaculação, a menstruação são sinais que abrem velhas feridas, que reforçam as angústias pelo futuro do filho. Os pais resistem a aceitar a sexualidade de seu filho com síndrome de Down porque ela enfrenta a sua própria, com a que poderia ter sido e não foi. Tentam censurar esta maturidade sexual do filho utilizando um sofisticado e complexo mecanismo de rejeição, utilizando instrumentos verbais e extra-verbais como, por exemplo, encher o filho deficiente com carinhos e “mimos” infantis, que bloqueiam a sua autonomia em situações remotamente sexuais, como podem ser a escolha de roupas, de leituras ou de filmes; estas escolhas têm muito a ver com o sexual e ao menos deveriam ser uma atitude autônoma, que deveria ser a premissa para uma escolha sexual livre. Aceitam-se, como máximo, práticas auto-eróticas. No entanto, quando certas práticas sexuais surgem incontroláveis, a angústia dos pais torna-se desenfreada: às vezes se recorre ao psiquiatra e se “entope” a pessoa de calmantes.
À medida que continua sendo vista como uma criança, a pessoa com síndrome de Down vê negado o seu acesso à sexualidade dos adultos. Além disso, é necessário destacar que a criança é melhor aceita socialmente que o adulto deficiente: supomos que a razão seja o fato de nos trazer menos problemas e ser mais manipulável. Sendo que a pessoa com síndrome de Down, como todo ser humano, procura ser aceita pelos demais, ela retém traços infantis em seu comportamento, de tal forma que responde adequadamente ao que o meio espera e demanda dela. Esta “infantilidade sexual” pode proporcionar tranqüilidade às pessoas que a rodeiam, porem, isto não deixa de ser um sinal de imaturidade. Resumindo, para mim, nosso maior problema hoje em dia continua sendo apresentar a pessoa com Síndrome de Down como ela é, nem anjo nem demônio. Especificamente, o que lhe dá força e valor é o fato de que ele é um ser humano e, como tal, tem a possibilidade de se formar e transformar, de se aperfeiçoar e realizar. Cada pessoa é uma história sagrada que todos devemos respeitar e valorizar com o verdadeiro sentimento de veneração, que tem que se constituir em comunhão com os outros.
Mas voltemos à percepção que os demais costumam ter sobre este assunto. A questão é por que existe esta percepção. Acredito que refletir sobre o conceito de “crença” pode nos ajudar a clarear o assunto. As crenças podem ser definidas como um conjunto de idéias generalizadas, fortemente arraigadas no subconsciente, de poderosa influência, que são consideradas corretas e evidentes, sem ter necessidade de uma reflexão ou indagação ulterior.
“As crenças são injetadas desde a infância pela pressão social, pelo exemplo e pela ação dos pais, professores, amigos, vizinhos, pela forma de apresentar e utilizar as coisas. Uma sociedade na qual não se fecham as portas, não há fechaduras ou cadeados, tudo está aberto, injeta na criança uma crença de segurança e confiança. Ao contrário do que num ambiente onde há fechaduras, correntes, cadeados, trincos, barras por todos os lugares, o que provoca automaticamente uma crença de insegurança e receio. As crenças formam um sistema que não é lógico, porém, é vital. A relação entre elas não é de fundamentação, mas de vivificação.” (4)
As crenças e a ignorância exercem uma influência muito grande neste assunto. O preconceito é uma atitude injustificadamente negativa com um grupo e seus membros. Como tal atitude, é uma combinação peculiar de sentimentos inclinações à ação e crenças. A tendência a atribuir a conduta dos outros a suas disposições pode levar a cometer o erro da atribuição (5) em suas últimas conseqüências: que se atribuam os comportamentos inadequados dos membros do grupo à sua própria natureza , enquanto se encontram muitas razões para explicar suas condutas positivas. Todo preconceito tem como base uma série de estereótipos que o fundamentam e mantém. Pode levar a tratar o sujeito de tal forma que desencadeia a conduta que era de se esperar, com o qual aparentemente se confirma a primeira impressão. Além disso, uma vez estabelecido, o preconceito é mantido pela inércia da conformidade e por respaldos institucionais, como o dos meios de comunicação (6). Os preconceitos e estereótipos têm maior vigor quando tratam de indivíduos desconhecidos, ou de julgar grupos de forma global.
Apesar do muito que a inclusão social tem avançado em diversos lugares, acredito que as pessoas com síndrome de Down continuam sendo muito desconhecidas pelo público em geral. Por este motivo, para melhorar a sua situação, o primeiro que temos que fazer é desmontar os mitos existentes, que são fruto desse desconhecimento. Não faz muito tempo, em uma mesa redonda sobre o tema que eu participava, um juiz de meia idade – integrante da mesa – começou sua intervenção dizendo que “claro, estas pessoas como têm uma sexualidade exacerbada ... “. Eu o interrompi rapidamente e apontei que isso não correspondia à realidade, ao que ele me respondeu: “Ah, bom, eu o entendia assim, é o que todo mundo acredita”. Falei que deveria estudar um pouco mais sobre o assunto, já que ele em várias ocasiões tinha que tratar questões relacionadas ao tema: “Não tenho tempo para estudar a fundo tantas matérias sobre as quais tenho que ditar sentença” ...
É preciso continuar trabalhando muito na linha da informação e formação de nossos concidadãos, especialmente os daqueles grupos que possam ter efeito multiplicador sobre a sociedade. E temos que tomar muito cuidado com a imagem que as nossas próprias entidades apresentam perante as demais; o Guia da Telefônica 2002-03 da província de La Coruña podemos ler sobre a principal entidade prestadora de serviços para as pessoas com incapacidade intelectual da cidade: “associação protetora de crianças anormais de Galicia”. Sem comentários.
Conceitos psicobiológicos básicos na síndrome de Down e conseqüências
Está demonstrado que na síndrome de Down não há hipersexualidade de origem orgânica (hormonal). A idade de começo e fim da puberdade é a normal. Enquanto alguns autores não encontram diferenças entre o tamanho dos órgãos genitais, outros tem observado que o comprimento do pênis e o volume dos testículos são inferiores aos médios. Escreveu-se sobre uma maior incidência de anomalias genitais. Alguns estudos falam também de uma importante diminuição na quantidade de espermatozóides produzida em cada ejaculação, o que torna pouco provável que sejam pais, mesmo que, aparentemente, o principal problema esteja na qualidade funcional dos espermatozóides. No que diz respeito às mulheres, mesmo que as primeiras informações indiquem a existência de ovários menores, as pesquisas mais recentes e uma revisão sobre sua capacidade reprodutora (70% são férteis) sugerem uma função ovariana normal. Elas têm ciclos menstruais regulares e o começo da menstruação aparece numa idade semelhante a de outras jovens sem síndrome de Down (7). As pessoas com síndrome de Down apresentam uma tendência à depressão e desajuste, às vezes associadas às relações: é importante descobrir e tratar precocemente estes problemas. Os serviços de apoio que estimulam a inclusão na comunidade, as habilidades sociais e a auto-estima, representam importantes medidas preventivas.
Sendo assim, podemos dizer que, apesar da precariedade de suas fontes de formação nesta área, da escassez de oportunidades para estabelecer relações interpessoais e dos poucos espaços de intimidade de que dispõe, “a sexualidade se desenvolve da mesma forma em uma pessoa com síndrome de Down do que nos demais e, por isso, deverão igualmente aprender a canalizar os impulsos e os sentimentos” (8). Mas é evidente que nem tudo são hormônios e que, assim como a igualdade da base hormonal, umas pessoas expressam sua sexualidade com mais intensidade, impulsividade e descontrole que outras. Os estímulos que recebem através de diversos meios, os modelos que se vêem, os comportamentos que se observam, atuam permanentemente sobre nós. Sabemos que na síndrome de Down a influência inibidora que o córtex pré-frontal exerce sobre os impulsos e tendência a respostas imediatas está diminuída (9). É verdade que sua excitação sexual poderia estar mais mitigada, mas para eles é mais difícil parar alguma coisa que gostam de fazer, trocar uma atividade por outra quando são convidados a fazê-lo, renunciar a alguma coisa que desejam. A principio, isto limita seu autocontrole e exige um reconhecimento de nossa parte e o planejamento de uma intervenção adequada, oferecendo-lhe o apoio necessário.
A incapacidade intelectual implica em uma menor capacidade de adaptação às circunstâncias. Isto a define. E tem seus graus em função da intensidade dessa incapacidade. Ou seja, requer o dobro ou o triplo de esforço do educador para convencê-los de que há condutas que socialmente não são aceitas: beijar uma moça ou um rapaz – desconhecidos ou não – simplesmente porque gostam, tocar seu corpo ou o de outra pessoa, e outros comportamentos que conhecemos e que é o que as pessoas vêem. Tanto neste assunto como em tudo, costumamos aprender com a experiência; e ela nos serve para saber até aonde podemos chegar a algum momento determinado. É esta capacidade valorativa que eles têm reduzida, não que não a tenham. Quando os estímulos externos que recebem são muito intensos, exigir-lhes autocontrole é algo quase sobre-humano. Por isso é necessário que a educação seja iniciada desde cedo, na qual o respeito e o apreço pela sexualidade cresçam de forma conjugada. Saber compartilhar carinho e respeito, da mesma forma que saber negar avanços ou ataques ao seu próprio corpo, é algo que exige conhecimento, treinamento, formação. Sem dúvidas, é uma tarefa difícil. O esforço do educador será muito grande e, infelizmente, está ausente em muitos lugares. Mas não podemos atribuir à síndrome de Down a insuficiência do apoio que lhes oferecemos para superar suas próprias limitações.
“A maioria das pessoas com deficiência mental não apresentam mais problemas de comportamento que as pessoas sem esse comprometimento. Geralmente, trata-se de uma população muito sociável e com boa capacidade de adaptação. No entanto, em muitas ocasiões, é o contexto no qual estão inseridos o que não favorece o desenvolvimento de comportamentos apropriados, e estimula, involuntariamente, a colocação em cena de repertórios desajustados que requerem uma intervenção profissional para serem reduzidos ou eliminados” (10).
Temos que encarar, com realidade, mas também com valentia, a ausência de oportunidades que ainda afeta as pessoas com síndrome de Down. Refiro-me a coisas básicas como ter sua formação em um ambiente heterossexual, ter sua turma de amigos e saírem juntos nos momentos de lazer, poder escolher seu perfume, sua roupa, sua música ... coisas aparentemente triviais mas que deixam um estigma muito forte na identidade sexual do ser humano e que tem muito a ver com a felicidade pessoal, com o sentir-se à vontade consigo mesmo e com relações pessoais adaptadas e satisfatórias. É necessário passar a um modelo de intervenção que gire em torno das pessoas e de seus direitos. Repito algo que já falei em páginas anteriores: o aprendizado é um componente primário e muito determinante do comportamento humano. Basicamente, a melhor forma de conseguir que as pessoas com síndrome de Down controlem seus sentimentos sexuais e expressem seus desejos de forma correta é dando-lhes uma educação sexual idônea, mesmo que isto nos obrigue a refletir também sobre o que é certo e o que não é, nesta área da vida humana.
Da educação sexual que devemos oferecer-lhes, de seu conteúdo, metodologia e responsabilidades, trataremos no próximo trabalho. E tudo isto levando em consideração que as receitas só valem na cozinha (e nem sempre funcionam ...), que as pessoas não são objetos simples de manipular, que cada ser humano é um novo mundo a ser descoberto ... Nem todas as pessoas com síndrome de Down têm as mesmas aptidões para aprender uma estabilidade emocional idêntica e igual capacidade para se relacionar socialmente ou para levar uma vida independente. Hoje concluo lembrando outra frase magistral do Pequeno Príncipe: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”.
Referencias bibliográficas
1 CARROBLES, J.A., Biología y psicofisiología de la conducta sexual, Fundación Universidad-Empresa, Madrid 1990; MASTERS, W. H.; JOHNSON, V. E. y KOLODNY, R. C., La sexualidad humana (tres volúmenes), Grijalbo, Barcelona 1987; MORENO JIMÉNEZ, B., La sexualidad humana: estudio y perspectiva histórica, Fundación Universidad-Empresa, Madrid 1990.
2 SAINT-ARNAUD, Y., Yo amo. Integración de los dinamismos del placer, el afecto y la elección (Sal Terrae, Santander 1988), p. 25. Ver también ROJAS, E., Enciclopedia de la sexualidad y la pareja (Espasa Calpe, Madrid 1991), pp. 74-76.
3 Cf. FREIRE, B., Estudio sobre la sexualidad del deficiente mental. CEFAES, Pamplona 1986.
4 MARIAS, J., La mujer en el siglo XX (Alianza Editorial, Madrid 1990), p. 101.
5 El error de atribución es la tendencia a subestimar la influencia de la situación y sobreestimar la influencia disposicional cuando se observa la conducta ajena: MYERS, D.G., Psicología social (Panamericana, Madrid 1991), pp. 79-88.
6 No nosso tema, somente se referee a ele para transmitir informações de casos anormais, aterrorizantes e-ou de delito, contribuindo com isso para manter uma imagem muito negativa sobre a sexualidade destas pessoas. Como exemplos ilustrativos, algumas manchetes de jornal: "Suspeita-se de que muitos atores de filmes pornográficos eram deficientes mentais", "Detido por supostos abusos sexuais a uma de suas filhas, retardada mental", "Três jovens, condenados a 132 anos por violar uma deficiente", "Negam a esterilização a uma deficiente", "Julgam um vizinho de Ribeira pela suposta violação de uma cunhada com debilidade mental", "Condenado por violar a uma deficiente mental", "Dois amigos revendem por 15.000 pesetas uma mulher que haviam comprado em Granada", "Abusa sexualmente, em plena rua, de uma deficiente mental". O fato de que dois acontecimentos notáveis ocorram ao mesmo tempo capta a atenção e é produzida uma correlação ilusória (impressão falsa de que duas variáveis andam juntas). Assim, anormalidade sexual e incapacidade intelectual andam juntas.
7 Cf. FUNDACIO CATALANA SINDROME DE DOWN, Síndrome de Down. Aspectos médicos y psicopedagógicos (Masson, Barcelona 1996), pp. 17-18 y 48-50; DYKE, D.C. y otros, "Sexualidad e individuos con síndrome de Down", en RONDAL, J., PERERA, J. y NADEL, L. (Dirs.), Síndrome de Down. Revisión de los últimos conocimientos (Espasa, Madrid 2000), pp. 63-81; PUESCHEL, S.M. - SCOLA, P.S., "Parents' perception of social sexual functions in adolescents with Dwon's syndrome", Journal of Mental Deficiency Research 32 (1988) 215-216; PUESCHEL, S.M. - BLAYMORE, J.A., "Aspectos endocrinológicos", en PUESCHEL, S.M. - PUESCHEL, J.K. (eds.), Síndrome de Down. Problemática biomédica (Masson, Barcelona 1994), pp. 279-292; SCHWAB, W.E., "Adolescence and Young Adulthood: Issues in Medical Care, Sexuality, and Community Living", en NADEL, L. - ROSENTHAL, D. (Eds.), Down Syndrome: Living and Learning in the Community, pp. 230-237.
8 FUNDACIO CATALANA SINDROME DE DOWN, Síndrome de Down. Aspectos médicos y psicopedagógicos, p. 43.
9 FLÓREZ, J., "Patología cerebral y sus repercusiones cognitivas en el síndrome de Down", Siglo Cero 30(3) (1999) 29-45.
10 VERDUGO, M.A. - BERMEJO, B.G., Retraso mental. Adaptación social y problemas de comportamiento (Pirámide, Madrid 2001), pp. 93-94.
Tradução para Canal Down21: Sandra Mansueti